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quinta-feira, março 04, 2004

Achados e Perdidos 

No fundo do longo corredor de pastilhas verdes havia uma porta, sempre fechada. Talvez por ter um tom de madeira quase negro, talvez pelo verniz espesso e o trinco escurecido pelo pouco uso, talvez por ficar na parte menos iluminada, quase esquecida, do bloco da primeira-série do primário, era um lugar que nenhuma das crianças gostava muito.

Dizem que as crianças tem uma sensibilidade maior, quem sabe, mas o fato é que era um lugar evitado, mesmo estando muito próximo de toda algazarra das salas de aula.

De vez em quando, com o corredor escuro, era possível ver luz passando por baixo da porta, junto com algumas sombras estranhas.
Ninguém comentava muito sobre isso, mas ninguém gostava de ir lá. Tanto que a sala estava quase sempre destrancada, o que normalmente não é suficiente para deixar moleques de 7 ou 8 anos afastados.

A sala em si era pequena, um cubículo com estreitas janelas junto ao teto. Pelas paredes, de baixo até onde nossa vista alcançava, cabides e prateleiras cheias, lotadas, empilhadas. Milhões de casacos azuis do uniforme do colégio, lancheiras variadas, de todas as cores e formatos (muitas com lanches azedando), livros, cadernos e agendas. Tudo coberto com uma fina camada de poeira, já que até as pobres faxineiras pareciam ignorar sua existência.

Objetos perdidos, esperando por donos que nunca vinham.

O pior era o cheiro, forte e estranho, quase ruim, que impregnava tudo.

Achar seu agasalho no meio daquilo tudo?
Impossível. Melhor dizer para sua mãe que não achou, roubaram, ou pegar um qualquer e torcer para ela não perceber o tamanho diferente.

Era um lugar engraçado. Na verdade, assustador.

Todos pareciam esperar alguma coisa sair do meio dos casacos, um braço horrendo com garras terríveis; ou abrir a porta e encontrar um túnel para outro lugar, escuro e com teias de aranha.

Naquele tempo, era um daqueles lugares místicos, onde o tecido da realidade era tão fino que poderia se rasgar em um suspiro.

Mas o que fazer, se o perdido sou eu?


"Ando meio desligado
Eu nem sinto
Meus pés no chão
Olho e não vejo nada
Eu só penso se você me quer"


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