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segunda-feira, abril 16, 2007

Mitos diários 

Não chamava Ulisses, mas não foi reconhecido quando voltou.


Encontrou caras fechadas, estranhos de olhares duros, ásperos e grosseiros. Viu a sombra que cobria sua família, viu a sombra do que restara da jornada acompanhando seus passos casa adentro, possuindo seus familiares num respiro. Não viram o herói, vitorioso em seu regresso. Odiá-lo, como o fundo de uma ferida antiga, parecia a meta de todos para quem voltava, todos que amava.

Todos?


Andava cansado e distante, mas só lá no fundo secreto de si. Na superfície, caminhava automatizado, mergulhando nas tarefas repetitivas do trabalho até perder o fôlego, encher a cara em casa e dormir brigado com alguém. Mesmo sem querer.

Só conseguiu dormir no avião quando faltavam poucos minutos para o pouso. Viagem à trabalho, fim de semana de fechamento de toda corporação, reunidos todos os porcos filhos da puta, ávidos por degolarem-se entre si em busca de trocados. Pretendia passar todos os dias à base de cafeína pura, negra, enquanto a agenda o obrigasse a ficar fora do quarto do hotel. Produzir, produzir, produzir.

Não reparou nela, até um dos diretores clones lhes apresentar. Iriam trabalham na mesma equipe, aquele fim de semana. Não lembrava o nome, mas tinha a esvaecida certeza que já a conhecia martelando-lhe a cabeça: De onde?

Claro, como descobriram no fim do dia, tiveram juventude comum. De mais, até: os mesmos lugares, as mesmas pessoas, a mesma lembrança vaga de um olhar que trocaram uma vez e esqueceram num sótão velho da memória, junto com muito da década passada. E agora estavam ali, jogados novamente no mesmo nicho, como todas as linhas que escrevem tortas todos os roteiros gosmentos de comédias românticas. Palhaçadas dos senhores cósmicos, desafios do destino, afinados demais.

Dormiu a primeira noite sozinho, o coração pulando no peito arrependido e queimado pelo impulso bruto, reprimido, que o torcia. Ecoava pelo quarto escuro as palavras proféticas do amigo, na verdade um daqueles colegas de trabalho com quem trocava breves e esporádicas confissões: “cuidado com a tentação. Todos irão encontrar o Diabo no deserto...” Infernos e danações eternas aos mais doidos, percebeu ali o risco que a vida lhe impunha, o preço que o instante lhe cobrava e os dividendos futuros de parcelas por vir. Segunda-feira voltavam para suas vidas. Até lá, ela era tudo o que ele queria.

Nunca duvidara, com tanta certeza, da promessa que fizera uma vez. O amplo espaço que sua mulher e filhos ocupavam em seu peito pareceu, de repente, insuficiente. Olhou toda arquitetura de sua alma, construída nesses anos todos, e pedaços começavam a cair, derrubados pelo vulcão que pulsava a partir de um velho rascunho de possibilidades, quem ele seria se estivesse com aquela mulher. Foi como se o vento lhe atirasse na cara o grosso álbum de retratos de sua vida, quebrando seu nariz.

Meu deus, e como queria aquela mulher. Tudo aquilo que queria, toda sede e fome por muitos anos deixadas de lado, por tanto tempo que parecia ter secado tudo que ficara à sombra da consciência, começava a brotar novamente com apenas algumas gotas dela. E ele queria bebe-la.

Sabia que era arriscado demais. Ela também sabia, tinham suas vidas além daquele oracular encontro. Mas era como brigar com a vontade do universo e suas coincidências irrefutáveis. Ou seria mergulhar nas areias ardentes de uma miragem? Não sabia quanto daquilo que precisava, quanto de solidão, quanto de arrependimentos, quanto de dúvida, quanto de frustrações, quanto de mágoas, quanto de muito lodo sedimentado coloria a mulher por quem estava apaixonado.

No último dia, despediram-se num beijo único, imenso e insuficiente.

Ele voltou para casa muito cansado, depois de ter vencido a tentação do gozo fácil, imediato, da realização transitória e estúpida em sua ínfima duração. Sofreu e repeliu a tentação do instante fútil como a porra do fantástico barato de uma pedra de crack.

Mas quando retornou de sua odisséia, ele, o trágico herói que superou até os deuses e suas maquinações divinas, não foi reconhecido. Derrubaram o herói como um vagabundo errante, criminoso.

E alguém chorou por ele no deserto.


"Calvin: Do you believe in the devil? You know, a supreme evil being dedicated to the temptation, corruption, and destruction of man? Hobbes: I'm not sure that man needs the help."


segunda-feira, abril 02, 2007

Mad Scientist, Crazy Science 


"Chance favors the prepared mind."

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