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sexta-feira, junho 09, 2006

Começa meu surto maníaco 

Hoje, exatamente daqui a pouco menos de duas horas, eu entro em hibernação. É um fenômeno muito estranho, sabe, principalmente para um ser humano, que se repete de quatro em quatro anos.

Não peço para ninguém entender, aceitar ou reproduzir. Também não classifico de patológico porque não me faz mal algum. Mas não me chame para sair da frente da Santa Televisão, essa deusa eletromagnética. E não ouse se aproximar do controle remoto, se preza pela vida.

Os sintomas incluem letargia, irritação e impaciência para qualquer coisa não relacionada ao futebol - como ler os outros cadernos do jornal ou agendar algum compromisso em hora de jogo: que tal uma reunião as 3:30 da manhã? Provavelmente vou engordar um pouco em virtude dos salgadinhos e da cervejinha...

Conto os segundos nos dedos. Vou ter uma overdose de dribles, gols e mesas redondas. Vou ficar com o coração na boca nos jogos da seleção. Vou ser torcedor desde pequeno de qualquer time mais fraco contra as outras superpotências, principalmente a Argentina. Com certeza entrarei em depressão se o Brasil perder (e o cheiro mofado de 82 no ar...).

Realmente, parece um horror. Mas é como carnaval: você não dorme, bebe demais, come porcaria, mas é feliz como nunca.

Só falta Papai Noel chegar, lá na Alemanha, para eu abrir essa caixinha de surpresas.

Azar de quem prefere o campeonato mundial de dominó.

Ou as mesmas novelas de sempre.

Pena de você, que não é um doente...



"You do anything long enough to escape the habit of living
until the escape becomes the habit."

sábado, junho 03, 2006

Embutido 

O menino afastou as calças e camisas de festa, espremendo os cabides em um canto do armário. Também jogou uma caixa de sapatos e sua bola de futebol para fora, que rolou no carpete do quarto. Constatando que já tinha espaço suficiente para sentar-se, entrou no armário embutido e fechou as portas.

Não era a primeira vez que brincava daquele jeito, pensou enquanto apoiava as costas no fundo de madeira, mas era engraçado como sempre tinha aquela sensação de tranquilidade, ou alívio, ouvindo sua respiração lenta e os ruídos abafados que ficavam do lado de fora: algum liquidificador em algum apartamento, várias TVs ligadas no mesmo canal 5, o trânsito da cidade e suas sirenes, buzinas e escapamentos abertos lutando com o canto dos passarinhos e o latido de um cachorro grande e velho.

O vento fresco, quase frio daquela manhã, soprando pela janela aberta em seu quarto, era insuficiente para vencer a gradinha de madeira no alto do armário, por onde entrava grande parte da débil luz que lhe permitia enxergar (e respirar) lá dentro.

Era pouco provável que dessem pela falta do menino, já que o resto da família tinha saído e sua empregada estava perdida em algum lugar entre o radinho AM, uma pilha de roupas e essas outras tarefas domésticas intermináveis.

O menino, por sua vez, achava muito boba (e pouco verossímil, apesar de não saber essa palavra ainda) aquela história de monstros morando nos armários. Era naquela penunbra que encontrava uma paz agridoce, imaginando para cada som que ouvia cenas daquele enorme mundo lá fora. Passeava em sua cabeça pelos cômodos vazios de seu apartamento, pelos apartamentos dos vizinhos com suas vidas estranhas, ou simplesmente deixava a imaginação voar para mundos fantásticos muito distantes dali.

Até que, ao piscar, pareceu que não tinha mais aberto os olhos. Estava no escuro completo, assim, de uma hora para outra. Não entendeu nada, piscando e esfregando os olhos com medo de estar cego...

Aos poucos conseguiu perceber uma tênue iluminação alaranjada passando pela grade de madeira, e naquele momento teve certeza que estava noite lá fora. Noite no meio da manhã.

Segurou a respiração o quanto pode, na esperança de escutar alguma coisa. Todos os outros sons haviam desaparecido, mas achava que ouvia música, tocando bem baixinho, ali mesmo em seu quarto. Encolheu-se, abraçando forte as próprias pernas.

De repente, a porta se abriu. Um cara, adulto, vestindo apenas uma bermuda velha, segurava a porta com uma das mãos, boquiaberto também. Atrás dele um estranho aparelho de som murmurava jazz, e a fraca luz alaranjada vinha de um abajur engraçado.

Olharam-se longamente, talvez, porque nenhum deles sabe ao certo quanto tempo foi. Pode ter sido até mesmo o tempo de um vagaroso suspiro, mas não tinham certeza se seguravam a respiração. Fato é que, quando certa familiaridade começou a arder, o cara fechou a porta, e o menino ficou no escuro de novo.

Ele podia estar em pânico, ou naquela estranha placidez que às vezes nos atinge em momentos críticos, mas não era nada disso. Ou melhor, até se sentia dos dois modos, e um pouco mais, como acontece nos sonhos. E como era uma criança, beliscou o próprio braço até ter a certeza absoluta que estava acordado.

Em outro piscar de olhos, já podia ver luz clara na fresta das portas e através da gradinha. Os sons também eram os de sempre, de uma manhã qualquer.

Abriu as portas de uma vez, saindo num pulo gatuno típico da agilidade infantil. Respirou fundo, aliviado por ver-se livre daquele ar abafado e da escuridão. Chutou a bola para o corredor e foi atrás, brincar.

Leve como a criança que era.




"The magical mystery tour
is dying to take you away,
Dying to take you away,
take you today."



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