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quinta-feira, agosto 21, 2008

Perguntas e respostas 

Algumas perguntas poderiam passar em branco, mas estão aí, rondando os desavisados, prontas a tomar de assalto uma conversa qualquer e, no meu caso, desejar que o diálogo ali termine. "Qual sua religião?" e todas as derivadas "Acredita em Deus?", "Jesus te salva?", "Acredita no que?"...

Não gosto de responder tais curiosidades, por motivos que me são bem claros. O primeiro é: por que quer saber? Normalmente é pelo aspecto social da questão, esse lado da religião como identificação de costumes e regras socialmente impostas, diagnóstico de um status que não consegue ir além de puro preconceito ridículo. "Sou evangélico" , "Sou católico", "Sou alguma coisa que me faz gritar isso com um adesivo num carro", como se isso fosse algo sobre fé, quando é mera afirmação da tribo que a pessoa defende, cara-pálida. Como se os evangélicos, católicos, céticos, budistas e macumbeiros fossem todos iguais entre si, raças de cães. Me preocupa a resposta, por que me preocupa o que a pessoa já pensa dela.

Acho a religião uma coisa muito, muito particular. Minha resposta para se acredito em Deus é: defina 'Deus'. Que Deus é esse? Um 'Papai do Céu', que puni as criancinhas más? Um Deus imaterial, além de uma 'super-mente-humana', que é Tudo (matéria ou não), sendo difícil de distingui-lo do Universo? Ou esse 'Deus' é algum profeta, um humano iluminado? Não é possível um diálogo se nos referimos a coisas completamente distintas, se não concordamos com uma linguagem comum.

Assim, se eu digo que sou Cético, muitos levantam objeções, incomoda o "Não crer em nada" quando o crer alheio é tão importante: entendo que as pessoas precisam crer na providência divina, precisam de respostas para perguntas inomenáveis, jusficam sua existência pela fé. Aí digo que sou Agnóstico, mesmo que pouco saiba da exatidão do termo, pois acredito tanto na Razão que digo que só posso ver até onde ela alcança, e é tão curta quanto o horizonte. Minha inteligência, meus sentidos, minha alma é pequena e limitada demais para certos assuntos, para a tal Verdade. Ensine cálculo avançado para uma formiga, ou filosofia a um gorila.

Não é fácil ser assim, ter fé que a fé é um subterfúgio (bendito e maldito) da minha eterna e irremediável ignorância. E escolher fatos, o que tenho, à crenças, que podem ser realmente corretas. Mas e se não são? Um pouquinho de História e vemos o quanto essa Fé, essa dita Verdade, pode trazer mais mal do que bem, tanta luz que mais cega que ilumina.

Só sei que nada sei. Mas esse não saber é duro, o Abismo de Nietzsche, que o coração maltratado pela vida pode cair. Não sejam tão duros com vocês mesmos, digo para quem quer saber das minhas crenças, tatear no escuro com uma pequena vela é difícil e doloroso, não sei se eu mesmo deveria fazer o que faço. Mais simples essa luz intensa, ampliada, artificial, mas que permite o sono dos justos. Dormir no escuro é difícil. Só tome cuidado para não se perder: nem sempre a luz forte é libertadora. A mariposa tem asas para voar aonde quiser, ou puder, mas fica batendo no vidro quente até morrer.







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Esse texto estava mofando como rascunho há muito tempo, principalmente por tratar de um tema tão inflamado como a Religião. Porém, dado elogio de um colega para quem enviei, motivado pela recente discussão sobre o ensino do Criacionismo nas aulas de ciências, resolvi sair do anonimato...

quinta-feira, agosto 14, 2008

No fim, só desculpas 

O telefone não parava de tocar.

Ela, sentada encolhida, fitava com seus olhos já secos de mágoa o aparelho gritando desesperado, em um coro com a extensão que possuía o pequeno apartamento em pulsos de alarme.

Esperneando, a luz verde piscava febril, o telefone um bebê que chorava de fome, despertando uma urgência quase instintiva de tomar-lhe nos braços e calar sua angústia. Mas o acalanto desse ser eletrônico era um Alô, que ela não estava disposta a dar a ninguém, fechada em seu princípio de solidão.

Pensou em retirar o aparelho da tomada, atirar aquele irritante recém nascido pela janela, mas apenas abraçou as próprias pernas e escondeu o rosto, aguardando sem forças que a tortura acabasse, ainda que infinita de tão longa.

Por fim, o silêncio. Olhou para o aparelho inerte, a dúvida e culpa circulando em sua alma já atormentada por dores mais profundas. Deveria ter atendido? A resposta vinha da certeza de que nada importava, fosse quem fosse seriam palavras insignificantes. Ou pior, como defendia seu coração ferido, só podia ser ele.

Estremeceu, tão imersa nas próprias dúvidas, quando o telefone voltou a tocar.

Ela sabia que eram seus ouvidos que julgavam os toques mais altos do que anteriormente, quem sabe espalhando até pelos vizinhos a irritação de atendê-lo. Mas dela a vontade escapara, eclipsada pelas lágrimas que voltaram a caminhar no rosto, correndo dela como ela mesma faria se pudesse. Era ele, com a certeza de uma mãe que interpreta o choro do filho, cada toque era ele chamando por ela.

E o choro dela, aliviando a alma, fez com que a espera pelo silêncio parecesse mais curta, ainda que quem impunha um fim àqueles chamados era a companhia telefônica, e não a vontade de ambos.

Assim, tão logo se calou o fixo sobre a mesa da sala, e seu eco no quarto, zumbiu e cantou o celular sentado ao lado dela no sofá, assobiando eletronicamente a música que nunca mais podia ser ouvida impune, já que era o tema auditivo daquele amor, tão grande, agora sangrando.

Viu o nome dele brilhando no aparelho, assolada por lembranças de quantas vezes seu coração estremeceu alegre quando isso acontecia. Sim, tinha a certeza racional agora, era ele, a única pessoa que ela não queria atender, ainda que a única pessoa que agora importava no mundo.

Ia recusar a chamada, como se a caixa postal fosse capaz de gritar por ela: me deixe em paz com minha dor, já me feriu o suficiente, me deixe só, por favor. Mas como o amor não é tão fraco assim, virtuoso e viciado que é, segurou-lhe o dedão em paralisia, obrigando-a escutar aquela canção que ainda era mais doce que amarga, e olhar aquele nome pulsante que já tatuara no coração felicidade como nenhuma outra.

Mas doía tanto que também não pode atendê-lo, as sombras que se fortalecem nesses períodos de escuridão alimentando-a de resistência e mais mágoa. Logo ele desistiria dela, perceberia a insignificância de tudo aquilo, deixaria em paz sua pessoa atormentada e seguiria por caminhos que ela nunca saberia.

O celular também desistiu, como nas outras vezes nesses dois dias em que ela, desiludida, exilou-se em seu pequeno apartamento enquanto lambia as próprias feridas, tentava colar o quebra-cabeças de sua alma fragmentada depois daquela briga, fatal.

Desta vez, porém, ele não deixou recado algum. Nem brigando, nem conciliando, nem implorando, nem preocupado. E desse silêncio ela constatou que a moribunda relação falecera.

Alivio algum havia, muito pelo contrário, apertou-lhe o peito dor muito maior, vazio avassalador. Arrancaram o coração junto com o espinho; ela correu tão longe, fugindo da mágoa, que quando olhou para trás não podia mais vê-lo. E ele, finalmente, desistira de segui-la.

O fim, essa palavra tão curta e brusca como aquilo que tenta expressar, chegara. E ela mergulhou num vórtice intenso, como nunca antes sentira, de um buraco negro de dor e culpa. Memórias, emoções vastas, sonhos e possibilidades escorrendo líquidas para um luto tão forte que nem a escuridão mais profunda pode representar. Desespero maior que palavras, enfim.



***



Quase não percebeu que bateram levemente à porta. Se o raciocínio não dependesse tanto das emoções, mais até do que gostamos acreditar, com certeza ela especularia por que não tocaram a campainha, ou por que o interfone não avisou da visita. Mas como um espectro de atos automáticos, oníricos, ela se levantou e abriu a porta, sem pensar.

Ele segurava um desajeitado buquê de rosas, sorrindo tímido como se a porta fosse bater-lhe na cara a qualquer momento, sem saber o que dizer, muito menos o que fazer, também mancando do coração.

E, frente a frente, por fim as almas conseguiram se encontrar, quando a janela dela fixou na dele e tudo disseram uma a outra sobre o desespero e o amor, sobre saudade e perdão, nessa comunicação do olhar que somente os amantes entendem.

O beijo imprimiu em ambos a certeza silenciosa de que realmente fora um fim. Nada mais seria como antes, um capítulo acabara na página anterior.

Outro era o amor que partilhavam, quando a porta se fechou. Mais maduro, talvez, de fundações mais profundas. Resistente às intempéries, além da efemeridade das flores da primavera.






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“Seu coração de cinza socada, que resistira sem quebrantos aos mais duros golpes da realidade cotidiana, desmoronou-se aos primeiros embates da saudade.”

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