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segunda-feira, fevereiro 19, 2007

C.O.B.R.A. 


Bateram à porta do pequeno porão, três batidas seguidas de duas.
No ambiente esfumaçado, todos trocaram olhares, desconfiados. Um deles se levantou, destravou o .45, e caminhou até a porta. Aproximando o ouvido direito para ouvir o outro lado, repetiu a batida em código. Toc toc toc. Toc toc.
- MMDC! - respondeu, apressada, uma voz do outro lado. Todos soltaram as armas ao som da senha, enquanto as pesadas trancas eram abertas.

O jovem entrou rápido, carregando um punhado de recortes de jornais e páginas da internet impressas em rascunho. Afastou papéis amassados e arrumou um lugar no sofá velho, ao lado do líder. Às suas costas, a enorme bandeira do Brasil com uma serpente vermelha sobre o céu azul. A sala era apertada, mal iluminada, cheirando cerveja velha, cachimbo e maconha. Todas as paredes eram cobertas de posters: revolução de 32, Rage Against the Machine, Che Guevara, Tortura Nunca Mais...

- Veja, mais notícias sobre aquele crime no Rio, que arrastaram a criança. Voltei da Unidade 021 ontem de manhã.
O líder desviou o olhar do laptop, enquanto os outros membros expressavam sua revolta:
- Vagabundos, filhos da puta, bárbaros...
Queriam sangue, queriam a cabeça dos criminosos, queriam vingar as injustiças do mundo.
- A hora é perfeita, líder. Todos estão inflamados, revoltados, chocados. A nitroglicerina tá borbulhando por lá. Em qualquer lugar é só tocar no assunto que a indignação se espalha e contamina todo mundo. Não há momento melhor!
O barbudo, que ainda segurava a .45, resmungou:
- Viu? Sabia que tinha menor nessa história! Marmanjo de 16, assassino, estuprador, verme parasita, é 'menor'??

O líder se levantou, calando as revoltas paralelas.
- Quantas crianças padeceram nesse crime?
Todos emudeceram, desorientados com a pergunta óbvia.
- Uma.
Atirou duas enormes pastas, grossas como tijolos, em cima do caixote que servia de mesa de reuniões. Elas se abriram, cheias de recortes de jornal e fotos de políticos.
- Por que esses bárbaros moram em favelas? Por que nunca foram a escola, esperam atendimento no hospital em cima de pia, tem pais desempregados e fudidos?
Pegou, numa das pastas, uma lista com nomes e valores, na ordem dos milhões de reais.
- Estes roubaram a grana da escola, desviaram a grana do hospital, fraudaram a vida de todos os flagelados dessa porra de país. Quantas crianças padeceram desses crimes? Uma?
A desordem que gera a barbárie atingiu seu ápice, senhores. A porra da tal impunidade. Tomaram o poder e destruíram a moral. Não há ordem nem progresso sem valores, mas esses putos engravatados só pensam no bolso. Dançam e gozam no Congresso, Senado, governos, prefeituras, fudendo milhões. Corrompem a ética, roubam há cinco séculos o futuro do Brasil. Fundei o Comando Operacional Brasileiro de Revolução Armada só por um motivo: instituir a Pena de Morte.
Mas não para esses crimes hediondos, não para os malucos e assassinos em série. Isso seria a legalizar o genocídio da ralé, o massacre dos milhares de ladrões de galinha que só tem onde cair mortos, nada mais.
Clamo: Pena de morte para crimes do colarinho branco. Pena de morte para os corruptos, safados, que prejudicam milhões. Chegou a hora de restaurar os valores éticos, vingar o dano social, e para isso vamos começar assassinando cada um dessa lista. Todos roubaram, no mínimo, um milhão de reais. Todos andam livres, andam sobre nós, rindo e brindando nossa passividade medíocre.
Todos aqueles que lesam a coletividade devem ser punidos. A punição deve ser proporcional aos danos. Deixe o estuprador padecer na cadeia. Deixe a polícia fazer sua justiça cega contra a massa bárbara de marginalizados.
Nós vamos exterminar todos os verdadeiros filhos da puta desse país, que controlam as regras do jogo. Pena capital!
Chegou a hora da Revolução!

Com armas em punho, todos gritaram em uníssono:
- Pena de Morte aos corruptos! Cobra!

Passaram folhetos com as fotos e dados dos maiores corruptos. Todos liam, revoltados, escolhendo aquele que acreditavam ser a prioridade máxima do movimento.
Até que alguém abriu uma lata de cerveja, ruidosa no silêncio:
- Mas agora é Carnaval, e o povo festeja na rua...

O líder suspirou.
- Quem sabe na próxima.

sábado, fevereiro 10, 2007

Isolado em uma redoma de hipocrisia 


Desperto de meu viver surpreso
já que de repente minha luta não importa:
só que não respingue sangue em seu orgulho
reclamações em seus ouvidos
lágrimas em seu colo

O que a paz não entendeu
é que sentado, comportado e limpinho,
a vida me come vivo
e agora me vem você
devorar os restos?

O preço é alto
mas pago sempre que puder
entre um respirar, bater, correr e pulsar
só paro morto
e aí não será uma escolha minha.

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