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segunda-feira, julho 28, 2008

Assepsia criativa? 

Vivem me pedindo por mais luz,
Mais felicidade e amor,
Mais memórias felizes e musas cantadas.

Não fosse isso tão orgânico,
Escreveria sobre tudo que querem
As belezas e as cores e a meia verdade.

A graça é um mundo sem graça,
Sem aperto no peito, só dia sem noite,
Saúde e fartura de toda sorte?

Não fosse tão vivo, que brota sem controle,
Até escreveria assim, sem vida.
Mas não vale a pena, o papel e o autor.



“se não houvesse tristeza nem miséria, se em todo o lugar corressem águas sobre as pedras, se cantassem aves, a vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância, que descobri-las não valeria a vida de uma flor.”

sábado, julho 05, 2008

Só um breve despertar* 

A mulher acordou menina, num sufocado grito silencioso. Demorou, no escuro, lembrar exatamente onde estava. Fantasmas sem nome do pesadelo ainda assombravam seu coração descontrolado. Coçou os olhos e penteou os cabelos com os dedos, levantando da cama enquanto o sonho ainda esfriava, fervida a alma, perdido o sono.

Em passos trêmulos de pernas que ainda não sabiam que apenas sonhavam correr e cair, apanhou o maço de cigarros na cabeceira da cama e abriu a janela. O vento, insistente e úmido, continuava sua paciente luta com o prédio em seu caminho, e avançou intruso no nosso quarto.

Ela ficou um tempo olhando o horizonte, na direção do mar, naquele momento apenas uma sombra negra e enorme. Infinita, perto da débil chama trêmula do isqueiro de segunda categoria. Estaria o oceano ainda ali? E o terror, vívido, que a pouco a perseguia? Fumou devagar, assistindo a brasa devorar o cigarro a cada tragada, tentando ordenar e esquecer o pânico, olhando para o nada, escuridão afora e adentro.

A fumaça, soprada para dentro do céu, esvaecia como sempre fazem os sonhos. Escorrem e desaparecem, nos deixam em paz.

Finalmente me olhou, eu ainda deitado na cama. Queria exorcizar-te a alma, interrogar pensamentos impossíveis, salvá-la de si e do mundo. Mas não consegui falar nada, acordado de surpresa, agoniado com as sombras alheias. Volte para a cama, meus olhos souberam dizer, deite aqui comigo e me abrace, completou meu corpo.

Num amanhecer fora de hora, ela sorriu.

Fora dos sonhos, angústias e terrores não conseguiam existir ali entre nós, amantes, cúmplices despertos.

Por mais que a abandonamos, negamos e renegamos, engraçado como a realidade nos persegue como uma cadela fiel.





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"We must become the change we want to see."



*primeira versão de janeiro de 2005 (veja no Arquivo ao lado): muito bruta, acabou incompreendida.

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