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segunda-feira, outubro 22, 2007

Celeste 

Finalmente o avião atravessou a barreira de nuvens, no que o capitão nomeou velocidade de cruzeiro. Turbulência para trás, reclinei a cadeira e espremi o rosto na janelinha.

Era quase noite, um alaranjado brigava com as primeiras estrelas. Abaixo, um mar branco e rosa de nuvens acarpetava o mundo, o horizonte um rodapé indecifrável. Mesmo com os incansáveis gritos das turbinas, a aeronave parecia flutuar no ar, parada e estática, boiando em uma paz que encheu meu peito e tomou meu coração. Eu poderia morar ali, para sempre, sair do avião e nadar entre as nuvens e o infinito.

Como as pessoas associavam deuses e o além-vida com isso, muito antes da invenção de qualquer máquina capaz de vir até aqui, é um grande mistério para mim. Cumes de montanhas talvez inspiraram os profetas e eremitas, talvez Ícaro ou outro anjo realmente vieram tão alto antes de despencar no chão, mas é certo que, se realmente existe algo de sagrado, ele vive ali em cima.

Escureceu, o serviço de bordo fez questão de lembrar que ainda somos terrenos, bebemos e comemos nesses corpos que não voam.

Para nosso maior conforto, as luzes da cabine foram novamente reduzidas. Vi uma estrela cadente riscar o céu. Tentando lembrar da última vez que tinha visto uma, sem sucesso, debochei da crença de quem faz pedidos a um objeto ardendo enquanto penetra nossa atmosfera.

Outra riscou o céu, quase no mesmo ponto. Da tal lembrança somente a certeza, subitamente triste, de longos anos, sem data, lugar, nem desejo.






Cansado da longa viagem, desconexo pelas conexões atrasadas, aeroportos pingados e paciência inevitável, tomei um banho, sem nem abrir a mala, e sentei para ver tv antes de dormir.

Inquieto, sem que o oblívio televisivo funcionasse em mim, lembrei de outra programação, que não foi feita por ninguém. Desliguei tudo, apaguei as luzes, e deitei no chão do quintal. Assistindo o céu, esperando com um desejo.









"- Qual o sentido de tanta construção? - pergunta. -Qual é o objetivo de uma cidade em construção senão uma cidade? Onde está o plano que vocês seguem, o projeto?
-Mostraremos assim que terminar a jornada de trabalho; agora não podemos ser interrompidos - respondem.
O trabalho cessa ao pôr-do-sol. A noite cai sobre os canteiros de obras. É uma noite estrelada.
-Eis o projeto - dizem."

sábado, outubro 13, 2007

Raiar 

A noite se cala:
Ouçam, ouçam todos
aí vem o Sol
iluminar nossos pecados,
brotar e secar a vida,
grafitar suas sombras por toda parte.

O vento frio anuncia:
Corram, corram todos
já é dia, ninguém está mais só
ardem as cores do mundo
desliguem isso
antes que eu vire cinzas,
um punhado de pó.






Mas de repente o filme pifou
E a turma toda logo vaiou
Acenderam as luzes, cruzes!
Que flagra!
Que flagra!
Que flagra.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Made in Brazil 

Um do topo conversa com um da base:

- O ouro negro vai acabar.
- Já acabou, em 1888. Vocês até receberam indenização, lembra?

- Falo do petróleo.
- Será que acabou mesmo?

- Vai acabar.
- Digo, a escravidão.

- Não. Mas o futuro é ecológico e renovável.
- Avisa então a Opep, Bush, Chavez, Iraque...

- Eles sabem. Somos a bola da vez.
- Biocombustíveis?

- Etanol! O futuro do Brasil é a cana de açúcar.
- O passado também.

- Vamos exportar para o mundo!
- E importar o quê?

- E o biodiesel? Meu caro, não insista: estaremos mais ricos e poderosos!
- Sou brasileiro e não desisto nunca.

- Mais cinco séculos no poder!
- Eita nóis. Será que o preço da branquinha vai subir?


"While the miser is merely a
capitalist gone mad, the capitalist
is a rational miser."

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