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terça-feira, novembro 30, 2004

Abaixo da superfície 

As pedras do poço eram enormes paralelepípedos de granito, unidos muito antes que qualquer um se lembre. Cobertas por camadas de limo, fungos, bolor e líquens, que desapareciam na escuridão, poço abaixo. Tudo com aquele cheiro estranho e antigo, mineral, úmido, fresco. O perfume de onde a vida toca a morte.

Quantos metros o poço tinha, também ninguém saberia dizer. Até a linha d'água ia um bocado de corda; e por mais que se tentasse nunca o balde parecia atingir o fundo. Nada de lodo ou barro, apenas a fria água cristalina. E a escuridão profunda.

Contam para as crianças pequenas que lá dentro é tão frio e escuro que pode-se chegar no próprio inferno. Coisas antigas, que nunca viram a luz, se arrastam e se agitam nas profundezas. Alguns testemunham tentáculos negros tateando na água, fazendo estranhos ruídos ecoarem para fora do poço. Nas noites sem lua, uma névoa branca parece brotar de suas entranhas, arrepiando toda pele num beijo gelado.

Mas era, na maior parte do tempo, somente um velho poço. E ela adorava caminhar até ali sozinha, sentar-se no beiral de pedra, refrescante sob o sol. Descia o antigo balde de madeira grossa, se divertindo com o ranger da corda que parecia reclamar como uma velha cansada e entediada com a tarefa já monótona. Esperava o balde encher-se e logo o puxava de volta, gotículas de suor brotando-lhe na testa, por vezes o braço a doer. Mas o esforço era recompensado pela água refrescante e límpida, a qual bebia com abundância.

Vinha quase todos os dias, um hábito que a deixava muito feliz.

Apesar de uma vez ou outra ela estranhar um silêncio repentino, ou ter a impressão de ouvir um eco estranho vindo lá do fundo, nada acontecera com ela até então.

Ainda bem.


"So tear me open, pour me out
The things inside that scream and shout
And the pain still hates me,
so hold me until it sleeps"




sexta-feira, novembro 19, 2004

Monólogo de amor nunca dito 

Às vezes você me assusta.

Minto: às vezes você me aterroriza.

Horror puro, profundo, gelado. Olho para você e sinto o mundo entrando em pânico. De repente, todo amor se torna medo. Uma nuvem que entra na frente do sol em um dia quente de verão, furtando todas as cores.

Numa lufada de vento frio, percebo que a estrela está fincada na abóbada celeste, um ponto, e eu estou aqui, olhando para o céu, sozinho na noite, no lado negro do planeta. A magia some, nunca existiu.
Vejo uma sombra através dos seus olhos, e me torno a presa. Sinta o cheiro de terror no ar: eu só quero fugir.


Noutros dias, são meus olhos que brilham no escuro.
São minhas presas que anseiam seu sangue quente, seu pulsar, sua dor.
Rasgo sua pele, abro seu peito.
Devoro seu coração sem cuspir os espinhos.

"I have three phobias which, could I mute them, would make my life as slick as a sonnet, but as dull as ditch water: I hate to go to bed, I hate to get up, and I hate to be alone. "





terça-feira, novembro 16, 2004

Ainda Pulsa 

Só uma nota rápida: ainda estamos vivos.

Eu, você, nós, esse lugar, as letras, o português.

Já os textos estão com complicações no parto.

Mas dois novos rebentos são esperados, logo logo, quentinhos.

Não mude de canal até lá!

"Quem sabe de mim sou eu
- aquele abraço
Pra você que me esqueceu
-aquele abraço."



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