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sábado, maio 10, 2008

das Letras 

Alguns dos textos aqui publicados, mofando perdidos no baú, estarão disponíveis nesse novo recanto.

Infelizmente, minha assinatura gratuita do serviço só permite a publicação de 3 textos por dia, ou seja, vai demorar um bocado para eu terminar esse enfadonho copiar e colar... Comecei do material mais recente, como podem ver.

Há outros inconvenientes, como a ausência de um simples 'itálico' ou figuras, e o imperativo de classificar em categorias fechadas (contos, poesias, blabláblá...). Assim, material selvagem e inédito continuará sair primeiro aqui, para deleite dos meus imaginários fãs.




"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede."

quarta-feira, maio 07, 2008

Alter ego 

Acordei mais cedo do que deveria, como sempre acontece quando bebo muito na noite anterior. O respirar da minha namorada indicava quilômetros de profundidade até que ela voltasse ao mundo da vigília, manifestando apenas um resmungar automático quando saí do quarto, toda luz da manhã de domingo avançando intrusa porta adentro até seu rosto.

Direto para a cozinha, apanhei um copo de suco de laranja , liguei a cafeteira e coloquei algumas fatias de pão na torradeira. Com o copo em mãos, abri a porta do hall e apanhei o grosso exemplar do jornal diário. A sala toda denunciava a festa do dia anterior, copos e garrafas e cinzeiros lotados espalhados e inertes, algumas taças com restos mortos que apertavam o estômago só de olhar. Caminhei até a porta do terraço, resgatando memórias arqueológicas daqueles fragmentos etílicos, os convidados, as piadas, os brindes; um vento frio da cidade cinzenta entrou ligeiro limpando aquele ar de tumba, aprisionado, esquecido e fétido.

Deixei o copo e o jornal na mesa do terraço, pensando no trabalho tedioso de arrumação daquela baderna, ao mesmo tempo aliviado com a liberdade que a ausência da empregada proporciona. Engraçado como só aos domingos sinto-me livre em meu próprio apartamento.

Das notas mentais que programei para o trajeto de volta à cozinha, constavam uma garrafa de uísque aberta sobre a bancada de mármore (evaporando oito anos, malditos bêbados!) e dois copos que suaram tudo que podiam direto na madeira da mesinha.

Já sentia o cheiro do pão quente, rosqueando a garrafa, quando paralisei, estupefato. Sobre o sofá da tv, minha agenda de couro jazia aberta, minha caneta tinteiro em cima. Avanços tecnológicos me permitem usar de outros recursos, como o notebook ou meu celular tudo-em-um, para marcar compromissos, datas, reuniões. Meu medo jorrava do fato que marcava naquele livro analógico, ainda que cifradas por um código pessoal, notas sigilosas de transações minhas e de clientes, normalmente de vários dígitos. Como fora parar ali?

Apertando a memória, lembrei apenas de ver um pouco de tv sozinho, depois que todos foram embora, antes de apagar. Minha agenda muito bem guardada no escritório, gaveta com chave. Algum intruso? Será que estaria ainda no apartamento?

Só ouvia o vento e o borbulhar rouco da cafeteira. Apanhei um candelabro pesado, e de arma em punho parti numa revista aos cômodos, pronto para o combate.

Encontrei tudo vazio, ela a dormir, as portas trancadas por dentro. Voltei confuso para a sala, resolvi examinar minha agenda. Alguém abrira na data do dia e escrevera um texto em uma letra rápida, trêmula e incerta. Infantil, talvez, até reconhecer o quanto se assemelhava à minha de um modo absurdamente sinistro, em todas suas acepções:


"Charlatão ou místico que fosse, poderia dizer que fico assim, irritado, inquieto e insatisfeito, quando não consigo contar suas histórias; esses estranhos que resolvem me perturbar até que possam se expressar, sabe-se lá vindo donde e tomando posseiros características minhas com as quais se identificam.

Mas renego tais espíritos demarcando meu eu com contornos geográficos exatos, pontilhados numa ilustração, calculados num GPS.

Assim, faço deles minhas alucinações de pensamento, meus escravos das palavras, minhas dobras obscuras cifradas em prosa e poesia.

Certeza, ou conclusão, só uma: quem conta um conto, aumenta um ponto."





"Writers are not just people who sit down and write. They hazard themselves. Every time you compose a book your composition of yourself is at stake."

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