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terça-feira, julho 17, 2007

Oneiroi 

"...So yes - my words will probably be read. A better question is whether or not anyone will believe them. Almost certainly not, but that doesn't matter. It's not belief I'm interested in but freedom. Writing can give that, I've found. For twenty years I wrote a column called "Long Ago and Far Away" for the Castle Rock Call, and I know that sometimes it works that way - what you write down sometimes leaves you foverer, like old photographs left in the bright sun, fading to nothing but white.
I pray for that sort of release."

Um sonoro bocejo interrompeu minha leitura:
- Você pode ficar de olho aqui pra mim um pouco? - perguntou meu sonolento colega, se espreguiçando antes de levantar da frente do computador. Saiu cambaleando, passos de zumbi, e sumiu na escuridão silenciosa que tomava todo Centro de Pesquisas àquela hora da madrugada.

Fechei meu livro, companheiro dos longos plantões, e me sentei na cadeira desagradavelmente aquecida pelo ocupante anterior. O relógio do Windows, imóvel em seu canto, apontava que meu trabalho só começaria, no mínimo, dali a uma hora. O resto dos dados sendo mostrados na tela, em tempo real, eram ainda mais desanimadores: uma pequena janela em branco-e-preto mostrava nosso sujeito deitado, posição fetal para o lado direito, aparentemente morto senão pelos registros da polissonografia, exibidos em tempo real na janela maior. O problema eram aquelas malditas ondas sincronizadas, terceira fase do sono profundo, que o sujeito, por algum motivo murfístico, insistia em manter.
Enquanto o padrão de ondas típicos do sono REM não viesse, em boa quantidade e na hora certa, só me restava esperar, atento para algum problema no registro dos dados.
Sabe porque poucos cientistas investigam os sonhos? Porque é muito chato esperar alguém sonhar...

Enquanto esbravejava em meu silêncio, acompanhava o lento e monótono desenhar das ondas do EEG no monitor: é como aquela coisa estranha que acontece quando olhamos muito tempo para o mar, ou para a chama do fogo, e ficamos hipnotizados como mariposas na lâmpada, fascinados pela eternidade.

Saí do meu devaneio com alguém batendo na porta da sala. Estranhei, porque não lembrava de te-la fechado, e conferi se tudo estava certo com os instrumentos. Nisso, a porta se abriu e um velho entrou.

A princípio um fio gélido correu minha espinha, até que um inconfundível aroma de charutos levantou em mim a estranha certeza de uma pessoa familiar, conhecida. Olhei o invasor com mais calma, com suas roupas antigas e cara de fotografia. Estupefato, falei quase sem voz:

-Freud?

O velho começou uma risada, como se minha surpresa o divertisse, que logo se transformou em tosse carregada e fora de controle. Pigarreou enquanto retomava o fôlego, cuspindo uma mistura negra de sangue e doença no nosso lixo de escritório.

- Freud não. Isso é coisa da sua cabeça. Mas da minha também. Me chame de Freud, se quiser.

Continuei boquiaberto, sem entender o que aquilo queria dizer. Sem entender nada do que estava acontecendo, pra dizer a verdade.

Freud se aproximou, examinando a tela curioso enquanto coçava o queixo barbudo. Apontou o monitor com um dedo comprido e magro, a unha espessa quase arranhando o cristal líquido. Balançando a cabeça negativamente, como alguém que lida com uma criança, disse paternal:

- Isso está muito longe do que busca, tenho certeza.

Olhei o monitor do computador, que seguia seu trabalho digital como se nada tivesse acontecendo, e novamente para Freud. Ele fixou os olhos no meu, olhos negros, cujo brilho me capturou e me fez sentir do mesmo jeito que quando olhamos um céu estrelado num local deserto, nós tão pequenos no imenso do universo.

Ele desviou o olhar para o monitor, batendo o dedo duro:

- Isso não é sonho.

Continuava sem saber o que dizer, muito menos o que pensar, e meu rosto deveria estar deixando isso bem claro.

- Vamos, não é tão difícil de você entender. Já não é a primeira vez que explico isso para você.

Aquilo dito, por incrível que pareça, fazia sentido. Mas iluminou a situação como uma vela acessa num porão durante um blecaute.

- Veja bem. A realidade é plástica, maleável como uma enorme bolha. Se você forçar demais, ela te fagocita e você ficará preso em sua loucura, vagando sem direção em sua própria realidade.

Me sentia como um aluno do primário em uma aula de cálculo avançado, olhando Freud falar. Se não era Freud, era quem?
Enquanto eu permanecia paralisado, ele se aproximou de mim, reclinando a cabeça até quase me cheirar. Ou devorar.

- Você precisa muito entender isso! Veja como em você ela gruda como piche! - passou a ponta dura do dedo no meu rosto, como se tirasse a cobertura de um bolo , e ficou olhando para o dedo vazio.

Ele suspirou, frente minha cara de ignorância:

- Os gregos pelo menos foram mais rápidos....

Aquilo colocou meu cérebro novamente na ativa. Gregos? Como assim, os gregos?
Não tenho certeza se disse isso em voz alta, mas ele respondeu:

- Sim, os gregos. Tudo bem que fizeram uma salada dos diabos, com aquela mania de transformar tudo em deuses: sou um dos filho de Hypnos (deus do Sono) e moro em uma caverna na fronteira de Hades. Me deram pais, irmãos, família completa! Quase fiquei neurótico!

Aquilo deve ter sido muito engraçado pra ele, porque Freud quase caiu no chão de tanto gargalhar, antes de tossir e escarrar mais uma vez.

- Da mesma forma que me chamou de Freud, eles preferiam Morfeu.

- Morfeu? Você é Morfeu??

- E Freud. Não entendeu nada do que acabei de dizer?

Olhei em volta, para a sala do laboratório, para Freud-Morfeu cheirando charutos e mel.

Por fim, perguntei:

- Mas de que realidade você está falando?

Ele quase sorriu:

- Onde estamos agora?

Abriu uma porta na sala, que eu não lembrava mas que parecia estar sempre lá, e entrou em um elevador antigo, com uma porta pantográfica enferrujada, as paredes com detalhes dourados desbotadas e o espelho manchado por milhões de pontos negros, como câncer.

Entrei atrás dele sem pensar, olhando para o imenso painel com botões brancos e arredondados, a maioria com os números gastos e ilegíveis. Ele apertou um andar, fechou a porta enferrujada num safanão, e voltou a falar comigo enquanto subíamos:

- Já que a mitologia ajuda, continuaremos nela: desça no andar com portal de chifres, e saberá a verdade. Fique longe do portal de marfim.

O elevador parou, e a porta abriu em um hall de hotel. Uma pessoa esperava sua vez do lado de fora, e só depois que Freud-Morfeu saiu apressado reparei que era uma mulher. Jovem. Linda. Ela fixou os olhos nos meus, e perguntou sorrindo se eu ia descer ali também.

-Vou subir. - respondi, apaixonado por aquela mulher que se tornava outra a cada batida do meu coração. Ela entrou e se aproximou como se fôssemos antigos amantes, o cabelo hora negro, hora loiro, hora liso, hora cacheado perfumado como infinitas mulheres e milhares de flores.

Parte longínqua de mim, que ainda se lembrava de Freud-Morfeu e sua mitologia, sugeriu que era uma ninfa.

Naquela emoção e desejo, naquela mulher que pulsava como muitas, apenas apertei o botão do 101, que se iluminou amarelo e pálido. Sabia que ela não ia recusar, quando a convidasse para entrar em meu apartamento. Quase nos beijamos enquanto procurava as chaves em meu bolso.


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Acordei em casa, a chama alucinada do rádio-relógio marcando quase dez e meia. Hoje é sábado, foi lembrando meu cérebro dormente. Ainda sentia os perfumes daquela estranha mulher enchendo meu peito.

Além dela, uma urgência lacerante me dizia que deveria fazer algo muito importante. Alguma coisa óbvia, próxima e nebulosa, na ponta da língua.

Só não sei exatamente o quê.



sábado, julho 07, 2007

Quarta volta em torno do Sol 

Fiquei até um pouco envergonhado em minha negligência, afinal este espaço completa agora em julho 4 longos anos...
Quanto tempo para uma iniciativa lúdica despretenciosa! Será essa a sensação de muitos pais por aí?

De qualquer modo, me intimo por impulso a esclarecer o nome que escolhi para meu rebento, tomado de um filme do século passado:
quando estamos aqui, nesse espaço virtual, me torno realidade.

Ainda que simulacro.

"The Matrix is everywere. It's all around us, even in this very room. You can see it when you look out your window or when you turn on your television. You can feel it when you go to work, when you pay your taxes. The Matrix is the world that has been pulled over your eyes, to blind you from the truth."

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