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quinta-feira, janeiro 31, 2008

Reencontro 

Perguntei-lhe, inspirada pelo vinho e atordoada pela surpresa do encontro casual, o que afinal eu fora para ele. O que representei em sua vida, passadas essas duas longas décadas.

Respondeu, em sua ironia densa, agora mais profunda e misteriosa, refinada pelo tempo como breu de uma fossa abissal, de pressão esmagadora:

-Ainda éramos João e Maria, menino e menina brincando de adultos, espalhando pelo caminho migalhas de pão. - meus olhos já protestavam, os dele sorriram - Você foi meu playground, onde brinquei, sonhei e fui rei; onde caí e sangrei e aprendi o gosto da terra e o cheiro de ferrugem; onde eu era livre e estava preso.



Alta madrugada, caminhei pelo parquinho do prédio, só eu e todas as minhas sombras. Tirando a novidade colorida do monstruoso playground-tudo-em-um de plástico reluzente, ainda estavam lá o mesmo trepa-trepa, os balanços de correntes, o gira-gira amarelo e outros fósseis esquecidos, de metal e madeira. Fui sentar no escorregador, evocando fantasmas de mim mesma a cada ponto que fixava o olhar.

Sentei no metal gelado, lá no alto que não me pareceu tão alto assim. E no meio de todas aquelas crianças do passado, algazarra da memória, me senti de repente incrivelmente grande, desconexa, Alice enorme pisando o canteiro de areia como uma aberração invasora, fora de seu lugar. O turbilhão de gritos, risos e choros agudos, sobrepostos, desapareceu, expulsos do presente numa lufada de reencontros de todas que fui.



Finalmente entendi o que ele queria dizer.



"Talvez a imobilidade das coisas ao nosso redor lhes seja imposta pela nossa certeza de que tais coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento em relação a elas."

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