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segunda-feira, agosto 28, 2006

Faith is the daring of the soul to go farther than it can see 

De baixo daquela barba grisalha, abandonada; daquele corpo empenado, enferrujado, pareceu emergir um jovem de imenso carisma.
O casal ficou parado na porta, incapaz de sair da pequena sala esfumaçada, como se procurasse onde fora parar o velho vidente, charlatão e gagá, cuja consulta, recém encerrada, se provara um verdadeiro fiasco.

Marcaram hora, com 15 dias de antecedência. Chegaram cedo, e ficaram esperando sozinhos nas pequenas cadeiras que serviam de sala de espera. Entraram relutantes, se apresentando ao silencioso anfitrião.
Por quase uma hora, eles contaram toda a história, enquanto o velho parecia cochilar e resmungar. Ao terminarem, o velho suspirou. Eles se levantaram, indignados, e estavam prontos para partir.


-Existe sim um jeito - disse o velho, olhando diretamente para ela. Sua voz era profunda, firme.

De repente ela entendeu, pela primeira vez em quase um ano de desesperada procura, que ele falava sério. No caos subsequente àquele maldito tumor que devorava suas entranhas, depois de inúmeros feiticeiros, pais-de-santo, curandeiros, espíritas e outros tantos, finalmente encontrou alguém que, por algum motivo, ela tinha certeza que dizia a verdade. Ela acreditou que havia um jeito.

O marido, sem qualquer epifania de compreensão, avaliou bem o olhar arregalado e ansioso dela. Suspirou, achando que já não tinham mesmo o que perder, e tirou a carteira do bolso.

-Quanto vai custar, hein?

O velho balançou a cabeça, dispensando com um gesto seco o talão de cheques. Continuava a olhar para ela fixamente, parecendo que tinha acabado de acordar de um longo sono. Era uma sombra do velho decrépito que tinham vindo visitar.

-Você que vai decidir quanto vai custar - ela sentiu a cabeça latejar, a boca muito seca.

O marido, que ainda segurava a carteira até ser interrompido, esboçou um sorriso:

-Ah, é desse jeito... - suspirou, pensando na quantia que proporia à esposa.

Para ela, seu marido parecia distante e terreno. Sentia o coração cavalgar no peito gelado, aqueles imensos olhos do velho ardendo como o sol ao meio-dia.

O marido lembrou que já estavam de saída, e atravessou a porta procurando as chaves do carro nos bolsos. Ela, ainda parada, encarava o velho, de pé.

- Volte com alguém que mereça viver seu destino - ele disse - volte com alguém que só mereça viver mais um ano.

Ele sentou-se novamente; e ela se viu em um ridículo consultório, cheio de cheiros velhos e objetos estranhos de ocultismo, com um homem de barba seca e corpo envergado, sentado numa poltrona antiga e carcomida.

Saiu rápido de lá.

O pânico, que lhe apertava o peito assim que partiram com o carro, era se acreditaria naquilo tudo. Ou se deveria.

"Não temos o direito de consumir felicidade sem produzi-la."

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