<$BlogRSDUrl$>

quinta-feira, abril 29, 2004

Contado como um sonho, seria mais ou menos assim: 

Quando percebi, já estava indo de encontro ao espelho. Bati a cabeça forte, o mundo num turbilhão de pedaços brilhantes, e caí atordoado no chão do meu quarto.
Uma lasca completamente afiada, arma gigantesca que só um espelho de corpo inteiro produz, bem em cima do meu braço direito.

Agarrei aquilo como um naufrago; e de pé me apunhalei várias vezes. O quarto se inundou num gozo de sangue cru. Se houvesse alguma dor, talvez não tivesse gemido baixo.

Conforme minha carne era dilacerada, mais meus pedaços se espalhavam por todo lado. Meu armário se abriu, e os esqueletos dentro dele agora eram eu.

Por fim entendi o que estava fazendo, e grandes asas brotaram das chagas em minhas costas. Asas enormes, que sempre deveriam estar ali, esbarrando naquele aperto, derrubando os livros da estante.

Torci as grades das janelas com meus próprios dedos, até meus tendões incharem em aço. Chutei o emaranhado disforme que me impedia de sair, e pulei pela janela. Vazio.

Um sol laranja me esperava no horizonte. Voei para cima, para o azul infinito, como um pássaro louco, para o alto e avante e além. Muito mais além de Ícaro, muito além do dia e da noite. Até o crepúsculo.

Lá sim comecei a derreter, chovendo sobre a terra como gotas prateadas de mercúrio. Uma lufada de mim entrou pela janela quebrada, escorrendo pelo que restava do espelho pendurado, até que esse fosse novo novamente.

Olhavamos nossos reflexos, parados na frente do espelho. Quando estendemos a mão, percebemos que não havia espelho algum, só o outro lado. O mesmo lado.

E lá estava o novo mesmo homem.

Eu.

Feliz.

"Ain't nobody dope as me, I'm just so fresh and clean.
Don't you think I'm so sexy, I'm just so fresh and clean.
I love the way you sweatin me, I'm just so fresh and clean."



This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Weblog Commenting by HaloScan.com